Publicado em Deixe um comentário

As histórias em quadrinhos e a escola quadrada

Tirinha Mafalda na Escola

Em 2004, a revista Educação me pediu um artigo falando sobre a escola e as “tirinhas” de HQ. O resultado foi esse, com pouquíssimo texto, dividido em 8 itens, 23 tirinhas e uma visão extremamente crítica da escola “tradicional” – modelo que, para nosso espanto, predomina até hoje – por grandes artistas. 


Quando artistas fazem tirinhas sobre a escola, é importante ter em mente que quase  sempre estão falando da escola tradicional, aquela que a grande maioria deles – e de nós – conheceu. É dessa escola que tratam os quadrinhos selecionados aqui e é dessa escola que, como a maioria dos artistas, os cartunistas parecem não gostar nada, nadinha…

Os cartunistas nos falam através da voz de seus personagens e, misturadas com sua criatividade e com a personalidade única de cada personagem, certamente existem lembranças de suas experiências como alunos.

A seqüência das tirinhas fala por si, e o texto serve apenas como acompanhamento para uma amostra do grande talento de pessoas que se tornaram grandes artistas em seu campo. Restaria discutir – mas isso não vai ser feito aqui – se isso aconteceu apesar  da escola, contra ela ou, até mesmo, apesar de tudo, com a ajuda dela…

Vejamos o que as tirinhas nos dizem em sua linguagem brilhante e concisa:

1 – Não gostamos da escola, ela  não é um lugar legal

Artistas são em geral, desde a infância, pessoas com uma sensibilidade muito grande. Mais ainda que a média das crianças, eles parecem sofrer com a falta de espaço, dentro da escola, para desenvolver seus talentos pessoais  e com  o caráter massificador da educação tradicional. Seu desejo de expressão pessoal e de desenvolvimento da individualidade choca-se com a impessoalidade das regras e dos currículos. Muitos personagens detestam a escola e podemos ver alguns quadrinhos como um verdadeiro “acerto de contas” com uma escolaridade que foi vivida e aceita em silêncio.

2 – A escola é muito artificial e isolada do mundo

Especialmente entre os personagens da Mafalda, existe uma  percepção clara da grande distância, do verdadeiro “corte”, que existe entre escola e mundo. Essa separação cria um novo espaço, no qual surge um novo tipo de regras e um ensino que parece às crianças extremamente distante de seus interesses. O “jogo” da escola, o tipo de diálogo que ela propõe, chega a ser explicitamente rejeitado. Em suma, a escola não fala de coisas interessantes, nos obriga a tarefas sem atrativo e, mesmo quando nos saímos bem nela, não há motivo para festejar.

3 – A escola é um lugar onde a gente “se enche” e que, por isso, estimula o devaneio

A escola nos isola de um mundo que normalmente é muito mais atraente. Ela nos obriga a ficar sentados, imóveis e quietos, seguindo discursos que na maioria dos casos não são interessantes. Isso estimula o devaneio e a fuga pela imaginação, onde aparecem temas e personagens que nos fascinam. Os artistas parecem recordar-se dessas situações mas, puxando pela memória, quem de nós não se lembra de ter passado por isso?

4 – Apesar de tudo, a escola é importante em nossas vidas,

Como as crianças, os personagens das tirinhas ouvem os adultos falarem sobre como o que aprendem na escola “vai ser importante mais tarde”. Elas assimilam essa mensagem, mas buscam reagir a ela. Isso é especialmente verdadeiro no caso dos alunos mais rebeldes e/ou  “fracos”.

5 – e tem um papel importante na construção de nossa autoimagem

A importância da escola em nossas vidas e para as outras pessoas  faz com que ela tenha influência sobre a formação de nosso autoconceito. Infelizmente, essa influência se manifesta com particular intensidade, e de forma negativa, no caso das crianças que não se saem bem na escola, os alunos considerados mais fracos.

6 – Às vezes  desejaríamos que a escola não existisse,

Algumas vezes personagens expressam de forma clara um desejo que, em algum momento de nossa infância, muitos de nós sentimos:  preferiríamos que a escola fosse destruída, que deixasse de existir.  Sem a escola, acabariam-se coisas como fazer lições, submeter-se a uma disciplina excessiva e levantar cedo demais…

7 – ou então, que fosse diferente

Existem situações em que os personagens parecem ir além de uma visão puramente crítica da escola e, dentro de um espírito rebelde e bem humorado, dão indicações de caminhos para uma escola diferente. Em geral, essas indicações sugerem mais diálogo e, principalmente, uma aproximação maior com a cultura infanto-juvenil e com temas que a interessam.

8 – Queremos uma escola interessante, que deixe boas lembranças

Concluindo, se não cabe aos cartunistas definir como deve ser uma escola menos quadrada e enquadradora, eles sempre podem nos inspirar, nos fazer rir e pensar. Aproximando-nos mais da sua e da nossa própria infância, eles podem nos animar a nunca desistir da busca de uma escola cada vez mais interessante, próxima das crianças, diferente daquela de onde muito de nós – inclusive o autor que aqui se despede, de forma autobiográfica (em uma fotografia de 1966) – tínhamos mesmo era vontade de fugir…

– FIM –